Como são as cirurgias de redesignação sexual realizadas por pessoas transgênero?
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Como são as cirurgias de redesignação sexual realizadas por pessoas transgênero?

O procedimento é opção para o bem-estar de pessoas transgênero, mas ainda são cercadas de mitos e preconceitos; saiba o que é esse procedimento e como é feito

RESUMO

  • Cirurgia visa compatibilizar órgãos sexuais à identidade de gênero
  • Procedimento é feito pelo SUS desde 2008, mas pode custar até R$ 100 mil
  • Filas no SUS podem durar até três anos e desencorajam
  • Cirurgia ainda é alvo de preconceito de cirurgiões
  • Pessoas transgênero que optam por não fazer cirurgia ainda são transgênero

A  cirurgia de redesignação sexual é considerada como um dos grandes avanços da medicina para garantir o bem-estar de  pessoas transgênero e pode ser uma de diversas opções para que uma pessoa se sinta em conformidade com sua identidade de gênero. O procedimento é, até hoje, cercado de muitos mitos, dúvidas e preconceitos — esse último, principalmente por parte de pessoas cisgênero.

A  cirurgia de redesignação sexual consiste em remodelar os órgãos sexuais de pessoas transgênero. Isso significa que, para homens trans, esse procedimento consiste na reconstrução do pênis no lugar da vagina. No caso das mulheres trans, acontece a amputação do pênis e construção da vagina.

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Desde 2008, o Sistema Único de Saúde (SUS) incluiu o procedimento entre seus serviços realizados, de forma completamente gratuita, e garante a realização pelo Processo Transexualizador do SUS, previsto pelo Artigo 2 da Portaria nº 2.803 do Ministério da Saúde.

Segundo Mário Farinazzo, cirurgião plástico que atua no Ambulatório Multidisciplinar com serviços voltados para  pessoas trans na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o impacto da cirurgia vai muito além do procedimento em si. “A gente percebe pelo feedback que as pessoas ficam extremamente satisfeitas e feliz, muito mais inclusive do que nos procedimentos em pacientes cis”, explica o cirurgião.

Ele afirma que isso acontece porque o significado das cirurgias é bem diferente para as pessoas transgênero . “É uma realização de vida, um passo muito importante para esses pacientes”.

Quais são os requisitos para realizar a redesignação sexual?

Assim como para a realização do tratamento hormonal, é muito importante que a pessoa já esteja fazendo acompanhamento psicológico e psiquiátrico e esteja sob orientação de endocrinologistas. Isto porque as cirurgias plásticas, além de terem muito impacto no bem-estar físico e saúde mental de transexuais, são determinantes e mudanças que ficarão para a vida toda.

Farinazzo explica que, de acordo com as etapas do SUS, os pacientes precisam passar por psiquiatras e endocrinologistas para entender a motivação do paciente para a realização da cirurgia. “Quando é confirmado que realmente será um benefício para a pessoa, a cirurgia é indicada”, afirma.

Se até esse ponto o paciente não estiver realizando o tratamento hormonal, começa-se e a pessoa fica em uma fila. Nos casos de pacientes que já deram entrada no tratamento hormonal e estão realizando o procedimento, essas pessoas são mais adiantadas e passam na frente, podendo realizar o procedimento mais rapidamente.

“Mesmo com a realização da hormonioterapia, a pessoa que quer fazer a cirurgia precisa passar por um acompanhamento psicológico. A próxima etapa é a liberação da cirurgia”, explica Farinazzo.

Como a cirurgia de redesignação sexual é realizada?

Existem dois procedimentos principais para a realização da redesignação sexual. A vaginoplastia, realizada em mulheres trans, consiste na retirada interna do pênis. Farinazzo afirma que coloca a pele que recobre o pênis para dentro e se cria um espaço entre a bexiga e o reto.

“Nisso, se faz a retirada do saco escrotal e dos testículos e cria-se um molde, que deve ficar com a paciente por um bom tempo até que aconteça a cicatrização. Assim, não acontece o estreitamento do novo canal vaginal”, explica o cirurgião. Depois da cicatrização, espera-se que a vagina fique com uma mucosa e umedecida.

No caso dos homens trans , é realizada a faloplastia. Farinazzo explica que trata-se de uma cirurgia muito mais complexa e que consiste em muitos retalhos locais. “Usa-se uma pele, geralmente da coxa, e com ela faz-se um tubo. Depois, precisamos criar uma uretra por onde vai sair a urina”, diz.

O médico explica que, por se tratar de um procedimento muito complexo, é menos desejado pelos homens trans. Existem dois pontos que são determinantes para essa decisão: a cicatriz, que fica grande (da parte interna coxa até a região do joelho); e o fato de o pênis não ser funcional.

Uma alternativa que tem sido muito mais buscada pelos homens trans é a metoidioplastia, um efeito recorrente do tratamento hormonal com testosterona que faz com que o clitóris cresça até 5 cm e também que a uretra se alongue, assemelhando-se ao pênis. No primeiro momento, o neofalo (como é chamado o pênis construído na redesignação sexual) fica preso à coxa e, posteriormente, é necessária outra cirurgia para fazer os refinamentos necessários.

Como funciona o pós-operatório?

No caso da chamada neovagina (nome dado à vagina construída na redesignação sexual), é preciso estender os cuidados do pós-operatório por até 3 meses, já que a cicatrização é demorada e é preciso impedir o fechamento do canal construído.

Farinazzo afirma que a região genital é normalmente mais contaminada por ser abafada. Por esse motivo, é importante que, nos primeiros 10 dias, os cuidados sejam maiores. Eles consistem em não caminhar muito, realizar a limpeza adequada, evitar atividades físicas e cortar a relação sexual.

No caso do pênis, o processo inteiro demora mais porque existem mais restrições ainda. A internação pós-operatória dura de 2 a 3 dias por conta da irrigação da movimentação. O cirurgião indica uso de roupas de algodão por conta da transpiração e, após a higienização, fique deitado com as pernas abertas para arejar o local.

Outros procedimentos feitos por pessoas transgênero

Além da cirurgia de redesignação sexual, existem outros procedimentos que podem ser realizados pelas pessoas transgênero para que se sintam em conformidade com suas identidades de gênero. Entre eles, Farinazzo cita a realização da mastectomia masculinizadora , no caso de homens trans, que consiste na retirada total das glândulas mamárias para adequação do tórax, e da aplicação de próteses mamárias em mulheres trans.

Também existem cirurgias de modificação realizadas no crânio e na face, como a diminuição da proeminência do rosto, rinoplastia, retirada do proeminência laríngea (mais conhecido como pomo-de-adão) e harmonização facial, principalmente para definir contornos do rosto. As lipoaspirações para dar um novo contorno ao corpo também podem ser desejadas e estão disponíveis.

Vale ressaltar que, apesar de ser uma opção viável e muito importante, muitas pessoas optam por não realizar a cirurgia de redesignação sexual ou qualquer modificação no corpo. Muitas preferem prosseguir o tratamento apenas com os hormônios ou não realizar qualquer modificação. Mesmo assim, não deixam de ser pessoas transgênero.

Poucos profissionais e estrutura para muita demanda

Mesmo que o procedimento seja disponibilizado pelo SUS, Farinazzo explica que existem uma série de dificuldades relacionadas ao acesso de  pessoas transgênero à cirurgia de redesignação sexual. O principal problema, segundo ele, ainda é a falta de aceitação por parte dos profissionais, principalmente os de gerações mais antigas. “Temos uma demanda muito grande e poucos centros que se dispõem a fazer esse procedimento. O próprio paciente também sofre muita resistência depois de decidir fazer a cirurgia, sem contar a longa fila de 2 a 3 anos que acaba desmotivando”, afirma.

Além disso, certas clínicas especializadas particulares cobram preços considerados muito altos para a população transgênero. Pessoas interessadas em fazer o procedimento podem precisar desembolsar até R$ 100 mil para fazer a cirurgia. A soma de altos preços e muita demora faz com que pacientes recorram aos serviços clandestinos.

“Se você ganha uma cicatriz ruim ou o resultado fica mal posicionado, é possível causar morte dos tecidos e precisar refazer toda operação. Além disso, realizar a cirurgia em um local que não é adequado torna os riscos maiores”, explica o médico. Um exemplo muito recorrente é o de mulheres trans que aplicam silicone nos seios e nos glúteos. “Se utiliza uma grande quantidade de produtos mais baratos em que o risco de infecção, embolia e morte é maior”, diz.

No Brasil, a  cirurgia de redesignação sexual ainda é novidade por relutância e preconceito dos próprios profissionais. No entanto, Farinazzo explica que o mundo tem evoluído ao conversar sobre esse procedimento, o que pode acabar normalizando a cirurgia no setor. “O assunto tem sido muito abordado em congressos, o que aproxima cirurgiões, médicos e pacientes, o que ajuda a aproximar essas demandas de profissionais interessados e capacitados”, diz.

Matéria originalmente publicada por Site Portal IG: https://bit.ly/3ui0O5Q

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