Vaidade em alta definição: os riscos que a lipo LAD pode provocar
Lipo LAD é o nome popular de uma cirurgia plástica que remove camadas superficiais de gordura do corpo para garantir definição muscular. O procedimento ficou conhecido entre celebridade e influenciadores que passaram a postar seu passo a passo e resultados nas redes sociais. Aqui, conversamos com especialistas que advertem sobre os riscos físicos e mentais que a busca obsessiva por um corpo definido – e instagramável – pode deixar
Lipo Lad – “Que a alma transborde, que o corpo físico tenha saúde, que a caminhada seja leve e que o coração seja aquecido e preenchido com o amor incondicional que sustenta a vida.” Essa é a frase final da mensagem que a modelo e influenciadora Liliane Amorim, 26 anos, postou no dia 28 de dezembro do ano passado, como votos para o ano que chegava. Na legenda, completou: “Em 2021, a renovação há de ser feita”. Pouco tempo depois, em 9 de janeiro, Liliane fez uma lipoaspiração de alta definição em um hospital em Juazeiro do Norte, no Ceará. Dias depois do procedimento, começou a sentir fortes dores pelo corpo. Foi internada em estado grave no dia 15 do mesmo mês e morreu no dia 24. O laudo da perícia forense diz que a morte foi decorrência de uma infecção ocasionada por uma perfuração no intestino, que seus familiares atribuem ao procedimento cirúrgico. A tragédia abriu uma discussão sobre os riscos e os benefícios dessa intervenção.
Lipoaspiração de alta definição, ou lipo LAD, ou ainda lipo HD, é um procedimento que ficou popular no Brasil ao longo de 2020. Para ter uma ideia, a #lipoHD contabiliza mais de 100 mil menções no Instagram. As buscas pelo termo no Google cresceram 350% no país entre agosto e novembro do ano passado. Foi criada pelo cirurgião plástico colombiano Alfredo Hoyos em 2018, com o objetivo de atender uma amiga modelo insatisfeita com seu corpo. Em busca de um “aspecto mais atlético”, havia passado por dois cirurgiões que tinham se negado a operá-la. Alfredo foi então investigar possibilidades de intervenção. “Fiz dissecações anatômicas em cadáveres e foi interessante descobrir que há gordura entre os limites dos músculos. Pensei que, se removesse essa gordura, poderia alcançar um resultado mais interessante. Liguei para ela e disse: ‘Creio que tenho a solução para você’ e fiz a cirurgia. Foi um sucesso! Depois ela me encaminhou seus amigos”, contou o médico em uma entrevista para a revista Plástica Paulista, uma publicação da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Regional São Paulo.
Assim nasceu o método cirúrgico estético destinado a um público muito específico: “Ele é indicado para aqueles que já têm um corpo magro, com pouca quantidade de gordura localizada e bom tônus muscular. O recomendado nesse procedimento é tirar, no máximo, o equivalente a 7% do peso do paciente”, explica Mario Farinazzo, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e chefe do Setor de Rinologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Segundo o cirurgião plástico Felipe Coutinho, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Regional São Paulo, esse é um procedimento de refinamento. “É indicado para quem já está bem. Busca eliminar a gordura subcutânea para contornar melhor e destacar a musculatura. Mas envolve cuidados diferentes do que os da lipoaspiração convencional e também apresenta mais riscos.” Isso porque, segundo Felipe, essa cirurgia é geralmente feita por quem já se submeteu a alguma outra lipoaspiração e não tem mais tecido frouxo (gordura entre a pele e a musculatura). “Qualquer lipoaspiração consiste em colocar uma cânula que aspira a gordura por meio da pressão. A ideia da lipo HD é mimetizar a musculatura”, explica o cirurgião plástico Samuel Gallafrio. “Como qualquer lipoaspiração superficial, carrega o risco de necrose da pele que, muitas vezes, demanda outra cirurgia para ser retirada. Além disso, pode haver irregularidade no resultado, aderências, além dos riscos tradicionais das lipos: tromboembolia, embolia gordurosa (gordura que entra no sangue e pode parar no pulmão). Lipoaspirações são cirurgias que devem ser feitas com muita parcimônia”, completa Samuel. O próprio criador do método, Hoyos, em resposta à revista Plástica Paulista, aponta suas limitações. “Creio que pode ser mais agressiva porque você tem não somente que extrair a gordura profunda, mas também a superficial. Existem indicações mais específicas e tem também mais complicações do que uma lipoaspiração profunda tradicional”, pontuou
Com a grande exposição do método, e incentivados pelo fluxo de posts nas redes sociais, cirurgiões relatam que as pessoas chegam à clínica com o diagnóstico definido: “Quero uma lipo LAD”. “A questão é que nem sempre é essa a indicação. Existe um protocolo. Mas as mídias sociais estão impactando demais o movimento dos consultórios e os pacientes com muita visibilidade se tornam uma vitrine. E talvez, nessas situações, eles acabem flexibilizando os critérios para não perder o paciente. Eu nunca fiz uma lipo HD clássica porque sou muito conservador e também não concordo com a proposta, então eu não indico”, afirma Felipe. “A banalização das cirurgias plásticas na internet é realmente preocupante. Muitas vezes, o que vemos ali não é a realidade, e isso altera a expectativa. Porque existem os filtros, o Photoshop…”, complementa o cirurgião plástico Paolo Rubez, membro titular da SBCP e da International Society of Plastic Surgery (ISAPS) .
“Vivemos sob um discurso lipofóbico, gordofóbico. E isso tem feito muita gente adotar condutas perigosas e irresponsáveis, como colocar a vida em risco para seguir um padrão que criminaliza a gordura”, diz a psicanalista Joana de Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças de Beleza da PUC-Rio. E isso acontece mesmo com as pessoas tendo acesso a muita informação – sobre os riscos e até sobre as mortes. Para mudar esse mindset, Joana acredita ser primordial acabar com a normatividade do corpo magro e buscar a normalização dos diferentes tipos de beleza. Esse trabalho deve acontecer em várias frentes. Uma delas é a educação. “É preciso moralizar a beleza. Por que a gente avalia o belo com base em características físicas? Temos que ensinar a associá-lo a outros valores”, pondera Joana. A especialista, junto ao Projeto Dove pela Autoestima, elabora apostilas, dá palestras e vai a escolas falar sobre o tema. “Nosso objetivo é mudar a mentalidade, desconstruir crenças, criar uma autoimagem mais generosa, mais inclusiva, menos depreciativa, menos persecutória desde a infância. É um trabalho de construção da autoestima.” Tudo para que, como desejou Lilian em sua mensagem de ano novo, “a alma transborde e o corpo físico tenha saúde”.
Matéria originalmente publicada no Site Revista Marie Claire: https://glo.bo/3uqXHIK